Estabilidade do suco de laranja não pasteurizado e refrigerado

CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA OFENIA

Estabilidade do suco de laranja não pasteurizado e refrigerado

Maria Cristina Corrêa de SouzaI, *; Marta de Toledo BenassiII; Renata Fraxino de Almeida MeneghelII; Rui Sérgio dos Santos Ferreira da SilvaII

IUniversidade Paranaense – UNIPAR; C. P. 224; 87502-210; Umuarama – PR – Brasil
IIUniversidade Estadual de Londrina – UEL; [email protected]; C. P.600186051-970; Londrina – PR – Brasil

ABSTRACT

A estabilidade do suco de laranja obtido de um pequeno extrator e armazenado em uma garrafa de polietileno foi avaliada sob condições de armazenamento isotérmico e não isotérmico a 4, 8 e 12oC por 72 horas. pH, acidez titulável e Brix não se alteraram significativamente durante as 72 horas de armazenamento. A análise microbiológica mostrou alta contagem inicial para bolores e leveduras que aumentaram no suco armazenado por 72h sob condições não isotérmicas com abuso de temperatura (12oC/4h). A data da avaliação sensorial mostrou uma pequena redução na aceitação do produto nesta condição. O suco, no período de validade recomendado (48h), apresentou perdas inferiores a 20% do conteúdo inicial de ácido ascórbico, independentemente do tratamento. Entretanto, após esse tempo, a degradação se acentuou atingindo, às 72h de armazenamento, retenções de 72 a 85%.

Palavras-chave: Citrinos, prazo de validade, vitamina C, HPLC, qualidade sensorial, bolores e leveduras

RESUMO

Desenvolvimento microbiano, ação enzimática e reações químicas influenciam a qualidade de suco de laranja natural não-pasteurizado, podendo comprometer características sensoriais e provocar perdas nutricionais. A estabilidade do suco, obtido em extrator de pequeno porte e acondicionado em embalagem de polietileno, foi avaliada em condições isotérmicas e não-isotérmicas de armazenamento em temperaturas entre 4 e 12oC por 72h. Valores de pH, acidez titulável e sólidos solúveis totais não se alteraram significativamente ao longo do armazenamento em todas as condições. Resultados da análise microbiológica mostraram alta contagem inicial de bolores e leveduras, que aumentaram no suco armazenado por 72h na condição não isotérmica onde houve abuso de temperatura (12oC por 4h). Os testes sensoriais mostraram uma pequena redução na aceitação do produto nessa mesma condição. Constatou-se que o suco, no período preconizado como prazo de validade (48h), apresentou perdas inferiores a 20% do teor inicial de ácido ascórbico, independentemente do tratamento. A partir deste momento, a degradação se acentuou, chegando, com 72h de armazenamento, a retenções de 72 a 85%.

INTRODUCTION

Fruit juices are consumed for their characteristic flavor and are also considered sources of vitamins, minerals and soluble and insoluble fibers (Righetto et al., 1999). Os citrinos tornaram-se um produto básico diário na nutrição humana e muito consumo é atribuído ao uso industrial de outros alimentos e bebidas que requerem o seu sabor. Há uma perspectiva de aumento na produção mundial de laranja e uma busca por novos mercados para o suco brasileiro tanto no mercado externo quanto no interno (Lima et al., 2000).

Currentemente, a laranja produzida para a indústria é três vezes maior do que para o consumo in natura (Agrianual, 1999). Em busca de maior praticidade, o mercado consumidor tem demonstrado crescente interesse em produtos “prontos para consumo” (Lima et al., 2000). Segundo Pupin et al. (1998), o mercado varejista interno de suco de laranja no Brasil se baseia principalmente no comércio do produto natural, refrigerado e embalado em garrafas plásticas. Entretanto, há poucos estudos sobre um controle de qualidade efetivo para suco de laranja natural não pasteurizado (Gusi, 1998).

Sucos naturais, mesmo mantidos sob refrigeração, têm curta vida útil (Charalambous, 1993). A estabilidade do suco cítrico depende da matéria-prima, das condições de processamento, do material de embalagem e das condições de armazenamento. Esses fatores devem causar alterações microbiológicas, enzimáticas, químicas e físicas que prejudiquem as características sensoriais e nutricionais (Corrêa Neto e Faria, 1999).

O aspecto sensorial está diretamente relacionado à demanda do consumidor pelo suco na busca por similaridade com sucos recentemente processados (Nisida et al., 1993). A alteração nos sucos naturais se intensifica continuamente após a extração, resultando no desenvolvimento de sabor e cor indesejáveis (Roig et al., 1996).

O crescimento microbiano no suco cítrico é caracterizado pela produção de sabores desagradáveis e deterioração do produto, comumente causada por leveduras (Parish, 1991; Lima et al., 2000). Vários autores observaram que a qualidade do sabor em frutas cítricas foi mantida desde que higienização e temperaturas de armazenamento adequadas ao produto (Fellers, 1988; Tocchini et al., 1993; Nisida et al., 1993; Pao et al., 1996). A coloração e o sabor indicam a maturação da fruta (Salunkhe e Kadam, 1995), portanto, várias determinações físicas e químicas (pH, teor de sólidos solúveis totais e acidez titulável total) são importantes para a caracterização e qualidade do suco de laranja (Nisida et al., 1993). Além das alterações químicas, a perda de vitaminas causada pelo aumento de temperatura e/ou oxidação reduz a aceitação do produto (Charalambous, 1993). O teor de ácido ascórbico representa um fator estimulante para o consumo de frutas cítricas (Lee and Coates, 1987).

Assim o presente estudo foi realizado para estudar a estabilidade química, sensorial e microbiológica do suco de laranja não pasteurizado em armazenamento isotérmico e não isotérmico, estudando temperaturas de armazenamento mais altas do que as normalmente utilizadas e reavaliando o prazo de validade recomendado de 48h.

MATERIAL E MÉTODOS

Exploração e armazenamento do suco de laranja natural não pasteurizado comercial, variedade Pêra Rio, obtido em um extrator FMC de pequeno porte e armazenado em embalagem de polietileno de 500mL de alta densidade, foram utilizados. Após a extração, as amostras foram armazenadas por 72h sob diferentes condições. Em um dos programas, as amostras de suco foram armazenadas sob três condições isotérmicas (4oC, 8oC e 12oC). No outro, as temperaturas foram variáveis durante o armazenamento com dois programas diferentes, e sob a condição nº 2 o produto foi exposto a 12oC durante 4 horas (Tabela 1). As amostras foram caracterizadas pelo teor de ácido ascórbico e análises físico-químicas complementares, análises sensoriais e microbianas foram aplicadas apenas àquelas armazenadas sob condições não isotérmicas.

determinação do ácido ascórbico

O teor de ácido ascórbico foi detectado em um cromatógrafo líquido com detector espectrofotométrico (254nm). A análise foi realizada à temperatura ambiente em uma coluna Spherisorb ODS-2 de fase reversa, eluição isocrática (0,7mL/min) com solução de ácido sulfúrico pH 2,5 como fase móvel. A identificação foi realizada no cromatógrafo com base na retenção do soluto eluido na coluna em comparação com o padrão e utilizando a co-cromatografia. O ácido ascórbico foi quantificado pela padronização externa em duplicata (Souza, 2001).

Análises físico-químicas complementares

A acidez total titulável (TTA), conteúdo sólido solúvel total (SST) e pH foram testados utilizando a metodologia AOAC padrão (1995) em duplicata.

Avaliação microbiológica

Salmonella, o Número Mais Provável de Coliformes Fecais e os Bolores e Leveduras foram contados, de acordo com a legislação vigente (Ministério da Saúde, 1998) para as amostras em condições de armazenamento não isotérmico pela metodologia Speck (1976).

Avaliação Sensorial

O teste de aceitação geral foi aplicado, com 48 panelistas, utilizando a escala hedônica estruturada de nove pontos onde: 1= não gosta muito; 5= nem gosta nem não gosta; 9= gostar muito. As amostras foram servidas em copos plásticos transparentes a uma temperatura em torno de 7oC e 10oC em volumes de aproximadamente 80mL. Duas amostras aleatórias foram servidas sequencialmente por sessão.

RESULTA E DISCUSSÃO

Determinação do ácido ascórbico

Fig. 1 ilustra um cromatograma padrão usado para determinar o ácido ascórbico no suco de laranja.

Existia considerável retenção de vitamina C. Mesmo a cinética de primeira ordem comumente usada para modelar a degradação do ácido ascórbico durante vários processos (Heldman e Lund, 1992) não parecia adequada para descrever o fenômeno, quando o armazenamento sob as temperaturas utilizadas foi considerado (até 12 oC) para o período de 48h (Fig. 2).

Verificou-se que o produto, no período de validade recomendado (48h), apresentou perdas inferiores a 20% do conteúdo inicial de ácido ascórbico, independentemente do tratamento. Nas amostras mantidas sob condições isotérmicas, foram observadas retenções de ácido ascórbico de 80 e 86% após 48h, dependendo da temperatura de armazenamento. A degradação foi acentuada após esse tempo, atingindo retenções de 72 e 74% às 72h de estocagem (Fig. 2a). A porcentagem de retenção foi maior para amostras em condições não isotérmicas, mas comportamento semelhante foi observado: alta retenção até 48h (98 a 100%) e rápida degradação após este período (80 a 85%, em 72h) (Fig. 2b). Este comportamento demonstrou que a temperatura não parece ter sido determinante enquanto permaneceu no estudo de faixa.

O conteúdo final de ácido ascórbico após 72h de armazenamento variou de 41 a 46 mg/100g. Quando esses dados foram comparados com a legislação atual (Brasil, 1974) observou-se que eram superiores aos 38mg% referidos como mínimos para suco industrializado. Levando-se em conta que a Recomendação de Dietas para Ácido Ascórbico como 60mg/dia para adultos (RDA, 1989) e examinando os resultados do suco natural em questão, verificou-se que a ingestão de 150mL, sob qualquer condição de armazenamento, superaria a dose diária recomendada per capita.

Análises Físicas e Químicas Complementares

Resultados semelhantes foram observados para os dados da literatura e da legislação para suco comercial (Brasil, 1974; Fellers, 1988; Tocchini et al, 1993; Nisida et al., 1993). Os valores de TTA obtidos foram superiores aos valores de referência, enquanto a relação TSS/TTA foi baixa, possivelmente devido à variação da sazonalidade e amadurecimento das frutas. Estes parâmetros praticamente não se alteraram durante todo o armazenamento, independentemente das condições de temperatura utilizadas. A Tabela 2 mostra as variações nas médias de pH, SST, TTA e TSS/TTA durante o período de 72h, sob condições de estocagem isotérmica e não isotérmica.

Avaliação microbiológica

Não houve Samonella e contagem zero para o grupo coliforme fecal. Os valores iniciais de mofo e levedura detectados foram superiores aos recomendados pela legislação vigente (Ministério da Saúde, 1998) mostrados na Tabela 3. Quando os bolores e as leveduras foram examinados separadamente, houve uma alta contagem de leveduras que aumentou sob as duas condições de armazenamento estudadas. A contagem de bolores no suco armazenado na condição nº 2 foi maior do que na condição nº 1, provavelmente devido ao aumento de temperatura a que as amostras sob a condição nº 2 foram submetidas. Os resultados, com alta contagem inicial de leveduras, podem ter sido devidos à contaminação dos frutos durante a colheita ou recontaminação durante o processamento.

Análise Sensorial

Os escores médios de aceitação geral das amostras variaram de 7,2 (como moderadamente) no tempo inicial até 6,0 (como levemente) na condição nº 2 às 72h, condição esta em que o suco foi submetido a abuso de temperatura sendo armazenado às 12 oC por 4 horas. A aceitação da amostra na condição nº 2 às 72 h diferiu significativamente das outras no nível de 5% pelo teste de Tukey (Tabela 4).

Os resultados da avaliação da amostra no tempo zero e do armazenamento sob a condição não isotérmica aos tempos 24, 48 e 72 horas e submetidos ao teste de normalidade Shapiro-Wilks (W) (Pimentel Gomes, 1985) foram todos significativos, rejeitando a hipótese de distribuição normal (Statsoft, 1995). Quando o teste não paramétrico de Friedman foi aplicado (Pimentel Gomes, 1985) os dados experimentais mostraram que as amostras no tempo zero e 24h sob a condição nº 1 apresentaram maior aceitação do que as amostras no tempo 72h sob a condição nº 2 que pôde ser comprovada pela ordenação da soma das ordens R na Tabela 5.

CONCLUSÕES

No presente estudo, as amostras apresentaram boa retenção de ácido ascórbico (72 a 85%) em condições isotérmicas e não isotérmicas até as 72h de avaliação. O conteúdo final variou de 41 a 46 mg/100g, superior à referência para suco industrializado (38mg/100g). Outros parâmetros como pH, acidez total titulável, sólidos solúveis totais e a relação SST/TTA não apresentaram variação significativa. A contagem inicial de bolores e leveduras excedeu a permitida pela legislação. Como a contaminação inicial do produto era maior para a levedura, isto sugeriu que a matéria-prima e/ou seu processamento exigia melhores cuidados sanitários. O suco mantido na condição nº 1 mesmo às 72h de armazenamento, não diferiu do suco recentemente processado no teste de aceitação utilizado, e a aceitação só foi reduzida quando houve abuso de temperatura (condição nº 2). Seria possível recomendar um aumento na validade do suco de laranja natural de 48 para 72 horas se a contagem inicial de leveduras fosse controlada.

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